A proteção constitucional às carreiras da Administração Tributária no contexto das reformas Administrativa e Tributária
Tributar é um poder atribuído aos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) pela Constituição Federal em capítulo específico ao Sistema Tributário Nacional. Tal poder deferido à Administração Tributária é desempenhado pelo Auditor Fiscal e demais agentes do fisco que têm as funções de aplicar, cobrar, arrecadar, fiscalizar, julgar e gerir os tributos. Em papel de relevância, cabe a esses agentes públicos a responsabilidade de dotar o Estado de recursos financeiros necessários para sua manutenção e para o atendimento às necessidades coletivas e individuais na garantia do acesso à educação, saúde, habitação, segurança, justiça formal, desenvolvimento econômico e justiça social.
Inovadora em relação às cartas anteriores, a Constituição Federal de 1988, inseriu dispositivos que tratam diretamente da Administração Tributária. De certo, quis o legislador constituinte traçar novas proposições e perspectivas jurídicas para aquelas instituições públicas revestindo as Administrações Tributárias de importância nuclear e fundamental que possuem em relação à Administração Pública e para a viabilização do Estado contemporâneo. Assim não sendo, não haveria necessidade de se erigir a status constitucional algo que poderia ser simplesmente disciplinado em ambiente infraconstitucional, evidenciando o interesse do legislador originário para o fortalecimento da Administração Tributária enquanto órgão nuclear da Administração Pública.
Dispositivos constitucionais originários deferem à Administração Tributária e a seus servidores fiscais qualificação constitucional de precedência, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, sobre os demais setores administrativos nos termos do inciso XVIII do artigo 37 e o poder-dever de intervenção no domínio econômico – observados os direitos constitucionais das pessoas jurídicas e também das garantias individuais para as pessoas físicas – para averiguação do patrimônio, renda e demais atividades econômicas do contribuinte. Tais prerrogativas, ao final, se coadunam com os próprios interesses e objetivos determinados pela sociedade e descritos na ordem constitucional.
Como demonstrada, foi da vontade do legislador constituinte qualificar, na Carta, diferenciação à Administração Tributária e a seus integrantes. Da mesma forma, não menos importante foi a manutenção dessa percepção pelo legislador constitucional derivado demonstrada na Emenda Constitucional (EC) n.º 42/2003 que reafirma, em mesma sintonia com a visão original, a relevância econômica, política, jurídica e constitucional dos fiscos como organismos vitais de sustentação do Estado contemporâneo. Faz valer a máxima de que “sem tributo não existe o Estado”, ampliando a dimensão de sentido para “sem tributo e sem Administração Tributária eficiente e autônoma não existe Estado soberano, democrático e socialmente justo”. Tal emenda reconhece as Administrações Tributárias dos entes federados como atividades essenciais ao funcionamento do Estado, e afirma serem seus integrantes servidores públicos de carreiras específicas prevendo dotação de recursos prioritários objetivando a realização de suas atividades, com atuação integrada e compartilhamento de cadastros e de informações fiscais (Art. 37, XXII). No Art. 167, IV conferiu autorização constitucional de inequívoca autonomia organizacional, administrativa e financeira excluindo da vedação de vinculação de receitas de impostos, os recursos despendidos na realização de suas atividades.
As carreiras públicas da Administração Tributária, em especial a do auditor fiscal, ao lado de outras típicas, encontram-se no núcleo do Estado razão da proteção dos bens jurídicos e interesses públicos indisponíveis (caso do tributo e da arrecadação). São dotadas de qualificações jurídicas singulares, de responsabilidades e deveres que se sobressaem em importância e sem as quais inexistiria o Estado. Deve a sociedade, portanto, exigir que às carreiras fiscais seja dado tratamento isonômico em grau de importância a outras típicas de estado em face das obrigações de cada qual na proteção do interesse público primário (da sociedade, dos administrados) e secundário (do fisco, do tesouro).
Não restam dúvidas da essencialidade da Administração Tributária e de suas carreiras específicas para a existência e bom funcionamento do Estado, não somente pela sua missão originária de fiscalizar, arrecadar e gerir os tributos, como também de subsídio à ordem econômica, em especial na liberdade de iniciativa, assegurando a concorrência econômica e, de forma derivada e não menos importante, na manutenção do estado de Direito pelo auxílio à ordem penal viabilizado pelo combate aos crimes econômicos, financeiros e desvios de recursos públicos e aqueles praticados contra a ordem tributária. Sendo qualificada como carreiras inerentes à soberania estatal hão de ser exercidas sob guarida dos princípios da legalidade, interesse público e autonomia funcional, de sorte a objetar qualquer interferência do poder político e econômico, devendo gozar de devidas prerrogativas e garantias funcionais e remuneratórias.
Pelos motivos expostos, faz-se necessário estatuto jurídico de um novo modelo institucional para a Administração Tributária que a torne dotada de autonomia administrativa, financeira e funcional e pertinentes a seus agentes públicos em sessão disciplinada no capítulo pertinente ao Sistema Tributário Nacional. É a legitimação da visão e percepção traçada pelos legisladores constituintes, em 1988, e continuada pelos legisladores que os sucederam. O momento presente assim exige e o parlamento atual carrega essa responsabilidade. Ignorar tal prescrição no âmbito da reforma administrativa ou tributária é ir de confronto às regras e princípios concebidos na Constituição e à vontade dos legisladores que queriam ver perpetuada a qualificação jurídica continuada da Administração Tributária.
Leilson Oliveira Cunha – Auditor Fiscal da Receita Estadual/ CE, Conselheiro no Contencioso Administrativo Tributário do Ceará. Bacharel em Direito e em Economia pela Universidade de Fortaleza/ UNIFOR. Doutor em Ciências Jurídicas pela UMSA/AR com título reconhecido pela UFF/RJ.
Rodrigo Keidel Spada – Auditor fiscal do Estado de São Paulo. Presidente da Febrafite (Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais) e da Afresp (Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo). Formado em engenharia de produção pela UFSCAR, e bacharel em direito pela Unesp. MBA em Gestão Empresarial pela FIA.
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Artigo originalmente publicado no Blog Gestão, Política & Sociedade do Estadão, em 11/08.
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