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Refis e pacto federativo: especialistas apontam soluções para dívida de Minas

O Tempo

Refis e pacto federativo: especialistas apontam soluções para dívida de Minas

21/3/2024

Por Gabriel Ronan* Publicado em 21 de março de 2024 | 07h00 - Atualizado em 21 de março de 2024 | 11h04

Há anos, o Estado de Minas Gerais procura uma solução para a volumosa dívida contraída com a União, hoje projetada em R$ 165 bilhões. Tema de disputas políticas desde que Romeu Zema (Novo) chegou ao Palácio Tiradentes, a solução para o débito bilionário também é motivo de divergência entre especialistas. A reportagem de O TEMPO conversou com dois auditores fiscais e um economista para traçar possíveis respostas para o problema.

Na visão da auditora fiscal e coordenadora da Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Sara Costa Felix, Minas precisa pensar no refinanciamento da dívida em primeiro lugar.

“É preciso de um refinanciamento para que os estados consigam pagar essa dívida. Mas, é preciso um tratamento desses juros, que na nossa visão são especulativos, são graves. É preciso, em primeiro lugar, revisar o indexador da dívida”, diz.

O vice-presidente do Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais (Sinfazfisco/MG), João Batista Soares, vai na mesma linha de Sarah. Porém, apresenta números para o refinanciamento. “Se o Estado abater a federalização da Cemig, da Copasa e da Codemig, o valor cairia para cerca de R$ 130 bilhões. A União não tem interesse em tirar a capacidade de investimento de Minas Gerais, até porque isso seria ruim para ela. Então, estamos falando de um pagamento de cerca de R$ 4 bilhões por ano. Seria um refinanciamento entre 30 e 40 anos para o pagamento de toda a dívida. Mas, é preciso que essa negociação exclua a cobrança de juros. O ideal é colocar só a correção monetária. O Estado, sem dúvida nenhuma, sempre teve um crescimento de receita (corrente líquida) acima da inflação”, pontua.

Esse crescimento de receita corrente líquida do Estado sempre acima da inflação, no entanto, não valeu para o último exercício, quando todas as unidades federativas foram prejudicadas pelas leis complementares 192 e 194, que limitaram a alíquota do ICMS para serviços essenciais, como combustíveis, telecomunicações e energia elétrica – principal fonte de arrecadação dos governos estaduais. Para efeito de comparação, a receita corrente líquida de Minas cresceu 0,7% em 2023, ante uma inflação acumulada no ano passado de 3,71%.

Em 2022, por outro lado, sem o impacto da redução de arrecadação com o ICMS, a alegação do auditor fiscal João Batista Soares, vice-presidente do Sinfazfisco, faz sentido. Naquele ano, a inflação medida pelo IBGE ficou em 5,79%, ante um aumento da receita corrente líquida em Minas Gerais de 10,8%. Ou seja, sem os impactos no ICMS, a tendência é de efetividade da proposta de refinanciamento da dívida sem aplicação de juros, apenas com correção monetária.

Revisão do pacto federativo

O economista Gelton Pinto Coelho, vinculado ao Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG), aponta para um novo caminho, sem a federalização das estatais Cemig, Copasa e Codemig. Na visão dele, o abatimento de aproximadamente R$ 35 bilhões que a “venda” dessas empresas provocaria na mesa de negociação não é justificativa suficiente para tirá-las dos ativos do Estado.

“Depois de vários debates e discussões na Assembleia, verificamos que a perda das empresas não é algo estratégico para Minas. É um risco ao povo mineiro. Ativos tão estratégicos não podem ficar sob o risco da ideologia de quem os assume. É preciso cumprir o que está na Constituição, quanto à consulta sobre venda de patrimônios”, diz Gelton. Na visão dele, ao federalizar as três estatais, Minas perderia a chance de travar uma eventual privatização de serviços essenciais, ficando “nas mãos” do governo federal, portanto dependendo da vontade política dos futuros presidentes.

A solução para a quitação da dívida de R$ 165 bilhões, na visão de Gelton, passa por dois fatores. O primeiro deles já foi tratado pelos outros especialistas: a revisão do indexador da dívida, que hoje cresce de acordo com a inflação (IPCA), acrescida de 4%. O índice é limitado à taxa básica de juros, a Selic. Esse indexador desfavorável ao Estado está em vigor desde 2014, a partir da Lei Complementar 148.

A outra parte da solução do problema, na visão de Gelton, é uma revisão do pacto federativo. Ele propõe uma rediscussão sobre o acordo da Lei Kandir, legislação pela qual Minas perde bilhões de reais de recursos ligados à exportação de produtos. “Ao aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), Minas abriu mão dessa demanda vitoriosa (recursos a serem recebidos da Lei Kandir). Então, o Estado trocou R$ 135 bilhões da Lei Kandir, que deveriam ser recompensados, por R$ 8,7 bilhões. O Estado fez isso visando uma negociação mais justa, mas saiu perdendo. A primeira coisa é rediscutir isso. Seria uma renegociação em outros termos”, diz Gelton.

Essa rediscussão, no entanto, requer muita articulação política, pois o acordo firmado sobre as perdas da Lei Kandir está homologado no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2020,  por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 25. À época, do total de R$8,7 bilhões, o Estado de Minas Gerais ficou com o percentual de 75%, o equivalente a R$ 6,525 bilhões. Os demais 25% (R$ 2,175 bilhões) foram rateados entre os municípios mineiros.

A Lei Kandir entrou em vigor em 1996, durante a gestão do ex-governador Renato Azeredo (PSDB), e isentou a cobrança pelos Estados do ICMS nas exportações de produtos primários e semielaborados, as chamadas commodities. Minas Gerais foi diretamente afetada, sobretudo pela exportação elevada de minério de ferro.

Data apertada

O governo mineiro tem pressa para resolver a questão. O STF prorrogou, pela segunda vez, até o dia 20 de abril o prazo para o fim da carência do pagamento da dívida. Esta é a data-limite para que se chegue a uma solução. Caso contrário, a dívida bilionária voltará a ser paga normalmente. O governador Romeu Zema (Novo) já sinalizou que pode pedir uma terceira prorrogação.

O senador Rodrigo Pacheco (PSD) apresentou, em novembro do ano passado, um plano alternativo ao RRF atual, que foi criado ainda na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB). Inicialmente, Zema tentava aprovar na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) o regime nos moldes atuais, mas encontrou resistência na Casa em função de contrapartidas caras aos deputados, como a privatização de estatais e o congelamento dos salários dos servidores públicos.

A proposta apresentada por Pacheco prevê, entre outras medidas, a transferência de estatais, como a Copasa, a Cemig e a Codemig, para o controle da União. Outro ponto seria abater da dívida os R$ 8,7 bilhões do acordo firmado entre o governo Zema e a União para compensar as perdas de arrecadação com a Lei Kandir - Lei Complementar 87/1996.

Seja qual for a resolução final para equacionar a dívida, ela deve passar pela aprovação tanto do Congresso Nacional, como da ALMG. A Fazenda prometeu uma resposta a Zema e Pacheco até o fim deste mês, com possibilidade de alterações na proposta do senador. A partir daí, será apresentado o projeto para alterar o modelo de renegociação das dívidas de governos estaduais com a União – que também terá de passar pelo crivo do Senado e da Câmara dos Deputados.

Como pano de fundo da disputa de protagonismo entre Zema e Pacheco para solucionar a situação de Minas Gerais, há a eleição para o governo do Estado em 2026. O senador é apontado como um possível candidato com apoio de Lula, enquanto o atual governador quer eleger um sucessor: o vice-governador, Matheus Simões (Novo). Além disso, há dificuldades de negociação entre o atual governador e o presidente da República, que protagonizam uma relação distante desde que o petista voltou ao Planalto em 2023.

Novo RRF pode ser solução

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que deve apresentar, até a próxima terça-feira (26), a proposta de um novo Regime de Recuperação Fiscal (RRF) para que os Estados renegociem suas dívidas com a União. Segundo ele, o texto já recebeu o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Semana que vem nós vamos ter uma reunião e vamos apresentar a proposta da União para os governadores, já temos essa reunião pré-agendada para o dia 26. (A proposta) já teve o aval do Lula", disse Haddad rapidamente a jornalistas após se encontrar com o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), nessa quarta-feira (20), na sede do Ministério da Fazenda.

Em entrevista no Palácio do Planalto, após encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governador do Rio disse que tratou com o petista e a equipe econômica sobre uma ação que iria apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a revisão da dívida do Estado, que hoje chega a R$ 180 bilhões. Segundo ele, o presidente pediu um tempo para que Haddad apresente o “plano B” do RRF na próxima semana.

“Foi discutida a natureza da dívida e juntar o Rio de Janeiro com os outros governos. Lembrando que os outros Estados estão discutindo só para frente, e o Rio de Janeiro está discutindo o para trás, e não só os indexadores futuros, mas a revisão do Regime de Recuperação Fiscal e também a composição da dívida”, afirmou Cláudio Castro.

*Com informações de Levy Guimarães e Lucyenne Landim

Foto: Flavio Tavares/O Tempo

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